O tema da glosa é recorrente no cenário do Direito, especialmente em contratos de prestação de serviços de saúde. A compreensão profunda de seu funcionamento e de sua repercussão jurídica é essencial para profissionais que lidam com demandas consumeristas e regulatórias nesse segmento. Este artigo aprofunda o conceito, os fundamentos legais e as principais discussões envolvendo glosas, sempre com foco no direito aplicado à relação entre consumidores e fornecedores de produtos e serviços de saúde.
O conceito jurídico de glosa
A glosa, no âmbito jurídico, é a recusa parcial ou total do pagamento de determinados itens, serviços ou valores em uma relação contratual, em regra por parte de operadoras de planos de saúde, seguradoras ou outros fornecedores. Costuma ser aplicada quando entendem haver impropriedade, falta de cobertura contratual, duplicidade, ausência ou insuficiência de documentação, ou descumprimento de normas e protocolos.
Sua principal função para o fornecedor é proteger-se contra pagamentos indevidos ou inadequação regulatória. Para o consumidor, entretanto, representa, na maioria das vezes, negativa de direito, restrição de acesso a bens e serviços de saúde, ou mesmo obstáculo financeiro ao exercício de garantias constitucionais e legais.
Fundamentos legais aplicáveis à glosa
A análise da legalidade da glosa exige observância a diversos diplomas legais, sendo o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078/90) a principal referência:
- Art. 6º, III e IV: garante ao consumidor direito à informação adequada e à proteção contra práticas abusivas.
- Art. 51: declara nulas cláusulas que restrinjam direitos de forma injustificada, abrangendo glosas sem fundamentação.
- Art. 14: prevê responsabilidade objetiva do fornecedor, alcançando glosas indevidas.
No setor de saúde suplementar, a Lei nº 9.656/98 regulamenta os planos privados, impondo transparência e garantias de cobertura, sob regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Regulação da ANS e normas complementares
A ANS disciplina cobertura mínima obrigatória, prazos de atendimento e direitos dos consumidores de planos de saúde. Resoluções Normativas estabelecem hipóteses de glosa legítima e o procedimento para recurso administrativo.
O art. 11 da RN ANS nº 395/2016 assegura ao consumidor o direito à justificativa formal e transparente sempre que houver negativa de cobertura.
Glosa indevida e abusividade
São abusivas as glosas sem fundamentação ou que restrinjam direitos assegurados em lei, contrato ou normas regulatórias. Exemplos incluem:
- ausência de previsão contratual clara;
- recusa de atendimento previsto no rol da ANS;
- exigência de documentação excessiva;
- demora injustificada em apresentar justificativa.
O Judiciário tem tratado com rigor a glosa indevida. A Súmula 469 do STJ afirma a aplicação do CDC aos planos de saúde, autorizando indenização por danos materiais e morais em casos de negativa injustificada.
Demanda judicial e ônus da prova
Nas ações judiciais, cabe ao fornecedor comprovar os motivos da glosa. O art. 6º, VIII, do CDC prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Além disso, a repetição do indébito em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC) pode ser pleiteada quando há má-fé ou cobrança irregular.
Aspectos contratuais e a boa-fé objetiva
O princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil) impõe lealdade e transparência contratual. Cláusulas genéricas ou que deixem a critério exclusivo do fornecedor a decisão sobre glosa tendem a ser consideradas abusivas.
Parâmetros para validade e consequências da glosa
Para ser legítima, a glosa deve observar:
- fundamentação clara e suficiente;
- respeito a limites contratuais, legais e regulatórios;
- comunicação tempestiva e formal ao consumidor;
- possibilidade de recurso administrativo ou revisional.
A ausência desses requisitos pode levar à nulidade da glosa, obrigação de cobertura, ressarcimento e responsabilização civil e administrativa do fornecedor.
Responsabilidade civil e danos decorrentes da glosa
Glosas indevidas podem gerar reparação por:
- Danos materiais: despesas assumidas pelo consumidor.
- Danos morais: sofrimento, angústia e risco à saúde, sobretudo em situações de urgência.
A jurisprudência admite indenização moral independentemente de prova do prejuízo extrapatrimonial, dado o impacto da negativa injustificada em saúde.
O procedimento administrativo da glosa: fluxo e recursos
Operadoras devem seguir regulamentos internos e da ANS. O consumidor tem direito à justificativa expressa, podendo recorrer administrativamente antes da via judicial. Advogados devem preparar peças com base normativa e identificar abusividades para aumentar as chances de reversão, inclusive com liminares em casos urgentes.
Prevenção: cláusulas contratuais e due diligence jurídica
Revisões preventivas de contratos e fluxos de autorização são fundamentais. Boas práticas incluem:
- ajustes em cláusulas dúbias;
- treinamentos internos e manuais de boas práticas;
- controle documental desde a solicitação até a execução;
- rotinas de atualização de protocolos por profissionais de saúde e gestores.
Riscos regulatórios e sanções
A ANS e órgãos fiscalizadores podem instaurar processos contra fornecedores que pratiquem glosas abusivas. As sanções variam de advertências a multas e até suspensão de atividades. Fornecedores podem recorrer, mas sempre sob estrita observância das normas.
Conclusão
O domínio das nuances jurídicas da glosa é indispensável para quem atua em contencioso, consultivo, compliance ou defesa do consumidor. A legalidade depende da conformidade com a legislação consumerista, regulatória e contratual. O uso indevido expõe fornecedores a condenações e sanções, exigindo equilíbrio entre proteção legítima e direitos fundamentais do consumidor.
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Insights
- Glosas representam oportunidade de atuação tanto para advogados de consumidores quanto de fornecedores.
- Aprofundamento no tema permite atuação estratégica e alinhada a tendências jurisprudenciais e regulatórias.
- O CDC é interpretado de forma evolutiva, impondo novas obrigações e reforçando a proteção do consumidor.
Perguntas Frequentes
O que devo analisar primeiro em uma glosa realizada pelo fornecedor?
Avalie o contrato, as normas da ANS e verifique se a recusa foi fundamentada por escrito, respeitando direitos básicos do consumidor.
Quais são exemplos de glosas que podem ser consideradas abusivas?
São abusivas glosas baseadas em cláusulas genéricas, falta de clareza contratual, exigência de documentos desnecessários ou recusa de procedimentos do rol da ANS.
Como recorrer administrativamente de uma glosa?
O consumidor deve apresentar contestação fundamentada à operadora, recorrer às ouvidorias e, em última instância, à ANS.
A glosa pode ser questionada judicialmente mesmo após recurso administrativo indeferido?
Sim. Após esgotar a via administrativa, o consumidor mantém o direito de buscar o Judiciário.
O que o fornecedor pode fazer para evitar glosas ilegítimas?
Manter contratos claros, treinar equipes, investir em compliance regulatório e registrar detalhadamente os atos que possam gerar glosa.
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